Para Pedro Norton os jornais em papel não vão desaparecer de um dia para o outro
A revolução tecnológica não é a varinha mágica para acabar com os problemas dos meios de comunicação social e há coisas que continuam a ser essenciais para o sucesso. Qualidade, imaginação e independência face aos poderes político e económico.
Na conferência sobre “Os jornais em 2020”, organizada por O MIRANTE, Pedro Norton, vice-presidente do grupo Impresa (Expresso, Sic, Visão) partilhou as suas interrogações sobre o futuro da comunicação. Defendeu que, na internet, já se estão a esbater as diferenças entre televisões e jornais e que no actual cenário tecnológico em que os problemas da distribuição deixaram de ser uma barreira entre produtores de informação e consumidores é essencial a qualidade, imaginação e a independência.
“No mundo de hoje, um jornal é muito menos diferente de uma televisão do que era há vinte anos. E pode bem acontecer que, daqui a vinte anos, nada os distinga. Nem do ponto de vista da produção, nem do ponto de vista da distribuição, nem do ponto de vista do consumo”, afirmou perante uma plateia de convidados que compareceram, quarta-feira, dia 6, ao fim da tarde, no auditório da Biblioteca de Almeirim.
Dando como exemplo o que já se faz na redacção de O MIRANTE em que os jornalistas escrevem notícias para a edição em papel e para a edição online, filmam e editam vídeos com inclusão de voz-off e fazem fotografias, Pedro Norton disse acreditar que esse é o futuro desde que as redacções sejam capazes de produzir conteúdos de qualidade.
“O futuro não passa, do meu ponto de vista, por prescindir os serviços dos nossos jornalistas e criativos mais talentosos e portanto mais caros. Esse é o campeonato dos “pure internet players”. O nosso futuro passa, como sempre passou, pelo talento, pela criatividade, pelo rigor, pela credibilidade. Mas para não nos perdermos na lixeira da internet (a expressão é de Eric Schmidt, CEO do Google) precisamos de encontrar novas formas de financiar essa qualidade.
Pedro Norton entende que a publicidade deverá passar a integrar os conteúdos, sem violação das normas deontológicas e que os conteúdos de qualidade disponibilizados online têm que ser pagos. A solução, defende, é revolucionar ao nível da venda de publicidade. “Propor soluções de comunicação e não apenas de vender audiência, páginas ou spots de televisão”. E integrar a publicidade nos conteúdos. “Precisamos – e sei bem que corro o risco de chocar algumas consciências – de integrar cada vez mais, dentro dos limites deontológicos, a publicidade e os nossos conteúdos”.
Mas as receitas da publicidade não chegam e os meios de comunicação social não podem estar completamente dependentes dela. Por isso é essencial continuar a lutar contra a ideia de que na internet é tudo gratuito. “ (…) é vital acompanhar e apoiar a luta pelos conteúdos pagos, quer na internet, quer, mais recentemente, nos ipads.
Sobre os jornais tradicionais em papel entende que vão continuar. “Eu não sou dos que acreditam que o papel vai acabar (embora reconheça que os jornais diários têm a vida mais complicada que os jornais semanários) ou que o ipad é a salvação para toda a indústria. (…) Estas revoluções não se fazem de um dia para o outro”.
No início da conferência que foi introduzida pelo Director Executivo de O MIRANTE, Joaquim António Emídio, o vice-presidente da Impresa falou da sua ligação a Almeirim. “Passei aqui alguns dos dias mais felizes da minha infância, casei aqui e baptizei aqui o meu filho mais novo (…)”. Pedro Norton está ligado à administração da sociedade agrícola da Alorna, embora sem funções executivas.
Enquanto administrador do Expresso foi ele que aceitou a proposta de Joaquim António Emídio para uma parceria que dura até hoje da distribuição de O MIRANTE com aquele semanário no distrito de Santarém. Antes da conferência em Almeirim, Pedro Norton visitou a redacção de O MIRANTE em Santarém.
Para produzir informação é preciso gostar de pessoas e saber aprender
O director-executivo de O MIRANTE, responsável pelo convite a Pedro Norton, confessou no início da conferência que gosta de fazer O MIRANTE por causa das pessoas. Pelo contacto que tem com muitas e variadas pessoas. Joaquim António Emídio elogiou a forma desassombrada e livre como o conferencista aborda certos assuntos na coluna de opinião que tem na revista Visão e lembrou que a necessidade de todos aprendermos, todos os dias, com os melhores.
A esse propósito recordou o seu primeiro encontro com o presidente da Impresa, Francisco Pinto Balsemão, num congresso em que, na sala onde o mesmo foi orador só havia três assistentes, entre os quais ele. “Jornalistas e empresários de comunicação social não tiveram curiosidade em ouvir a pessoa que mais sabe de comunicação social em Portugal. O único verdadeiro patrão da imprensa. Aquele que sabe do assunto e cujo trabalho é prova disso mesmo”.
Lembrou também dois homens ligados à imprensa, já falecidos, que tinham posturas completamente diferentes. “Com António Paulo Louro, editor do Jornal do Fundão, aprendi como se geria um jornal. Ele foi meu mestre. Explicava-me o que sabia. Respondia às minhas interrogações. Com Adriano Lucas (Diário de Coimbra), nunca aprendi nada. Algumas vezes tentei falar com ele. As respostas a tudo o que lhe perguntava eram evasivas. Respondia-me de rei para súbdito. Um dia disse-lhe isso mesmo. Ouviu impassível e no fim apenas me disse que eu tinha que levar O MIRANTE para a sua gráfica”.
Discurso Directo
“Os dias em que os investimentos colossais em gráficas, distribuidoras ou estúdios de televisão eram requisitos fundamentais para se entrar no mercado já passaram. Um simples PC, alguma banda e uma ideia original podem bastar para criar um império. Os exemplos não faltam do Google ao Facebook. Acabou-se a era em que, nós media, jornais ou televisões, estávamos orgulhosamente sós no terreno”
“Nem todos os conteúdos ganham valor com estas mudanças estruturais em curso. Alguns podem até banalizar-se (pode ser o caso da informação genérica pura e dura, sem análise, prospectiva, comentário ou outro tipo de valor acrescentado). Não será seguramente o caso da informação local ou hiper-local, de conteúdo útil para os cidadãos no dia-a-dia; não será o caso do jornalismo de investigação e da sua capacidade de gerar “cachas exclusivas”; não será o caso das crónicas, das análises, dos comentários de especialistas com créditos firmados.”
“Queremos continuar a poder dar-nos ao luxo de ter, pelo menos na Impresa, a melhor e mais bem preparada redacção do país. Até porque sabemos bem que não é um luxo mas uma vantagem competitiva de que depende o nosso futuro. Mas sabemos também muito bem que, a prazo, não poderemos dar-nos ao luxo de a ter a funcionar em exclusivo para um jornal ou para uma televisão.”
“Em Portugal têm aumentado, e muito, as relações perigosas e pouco transparentes entre os poderes político, económico e mediático. Ora, na Impresa, temos para nós muito clara a noção de que os media só sobreviverão a prazo se conseguirem manter-se independentes em relação a esses poderes.”